quarta-feira, outubro 21, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


9

Nada realiza o humano mais que a experiência, a aceitação e o reconhecimento da solidão como condição fundamental do existir. Nascer só, viver só, morrer só. Em nenhum dos casos o homem pode interferir. No entanto, no intervalo entre o primeiro e o último, ele perde-se de si em vãs tentativas de pertencimento. O homem vê no pertencimento a, no ser contado entre, um resgate, uma forma de salvação. A vontade de pertencimento denota uma incompreensão e um desvio do essencial.

quinta-feira, outubro 08, 2009

ATRÁS DA CORTINA

Gargalhadas. Cusparadas estalam no chão. Do Silêncio. Vozerio. De repente, uma pergunta. Ninguém responde. Gargalhadas. Forço os olhos para cima, por dentro das sobrancelhas, e arrisco também uma pergunta: Quem pergunta? E de lá: Quem pergunta? Silencio. Lembrei-me, súbito, da regra de nunca dar trela a loucos. Mas... E Ela? Queria mesmo era revê-La...
A primeira vez em que A vi, foi com olhar grande. Enrubesceu-se. Na segunda vez, assustou-se. Na terceira vez chamou os guardas, que me lançaram nesta masmorra...
Vozerio. Gargalhadas. Cusparadas estalam... A pergunta retorna em uníssono. Nenhuma resposta. Enfio de vez os olhos nas sobrancelhas. Agora Eles ouvirão todas as respostas do mundo ou, quem sabe, a mãe de todas as perguntas!

sexta-feira, setembro 25, 2009

SOBRE HOMENS DISTRAÍDOS E NÃO


É comum que homens distraídos tamborilem os dedos numa superfície ou juntem as mãos, como a simularem, por exemplo, movimentos de uma aranha no espelho, enquanto aguardam as horas... Mas há outros, nada distraídos, que fazem os mesmos movimentos até doerem, sangrarem, ou sumirem-lhe, gastos, os dedos... É desta ordem que vêm os solitários, e foi assim - justamente assim - que cheguei aos cotovelos...

sábado, setembro 05, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


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O ser do homem... Não do sujeito, nem do filósofo, do cientista, do professor, do aluno, do mendigo, do astronauta, do artista, do crente, do cético, do jardineiro, do policial, do prisioneiro, do niilista, do coveiro... O simples ser, o que é? Ora, o simples ser não é sem seus significados. É nada. O simples ser é pura ausência. Pura carência. Num sentido ontológico (e não psicológico), o simples ser é como a saudade.

quarta-feira, agosto 26, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


7

Na história coexistem ou sucedem-se, não sem disputa, tentativas de fixar pontos, tentativas de freio, resgate, transcendência... Nos bastidores de cada tentativa é comum se encontrar, entre as molas propulsoras do querer, uma sedução do inédito. Ora, a sedução do inédito é uma variante da sedução do poder. A sedução do poder denota incompreensão. Toda incompreensão neste molde resulta do "Não olhe para baixo!". Mas haveria algum desvio do olhar com franca possibilidade de sucesso? O gesto de Galileu  com o telescópio não conteria uma sugestiva precursão? Não conteria o prenúncio de um total ineditismo em relação ao modo de olhar e ver, e, portanto, de um desvio bem-sucedido? Não seria, enfim, a promessa de uma verdadeira potência e de um belo travar de pneus contra a Gravidade?

domingo, agosto 16, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

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O possível impossível. O homem, que surge da tensão entre ser e Nada, marcado ontologicamente por ambos, é nesta condição. É esta situação. Ele é isso. O possível impossível. Conseguirá nosso moribundo afinal reverter tal sentença? Conseguirá ele mudar seu isso? Conseguirá enfim arrancar o punhal que traz desde sempre, e a se enferrujar cada vez mais, cravado ao peito? E, caso consiga, ele não se cravará outros? Caso o consiga... ele ainda será ele?

domingo, agosto 09, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


5

Enquanto simples projeto, o sim constitui um dever-ser. Enquanto realização, o sim, almejado como absoluto, traz a marca do relativo, consequência do Não que lhe pesa como fardo. Fado! Tem-se aqui então uma nova compreensão do dever-ser, em que o ethos corresponde ao querer eliminar o perigo de ser: a queda-livre que condiciona o ser sempre em perigo. Daí se poder afirmar que toda doutrina, escola, movimento, feito - dos mais adocicados e belos aos mais amargos ou intoleráveis conforme uma e outra sensibilidade -, quer um ponto-fixo. O ponto-fixo. A estabilidade. O fim da história. O dever-ser. Mas todo sentido procede da Queda... Uma tentativa de ponto-fixo é então um sentido contra-sensual. Ilusão. Trabalho de Sísifo. Idiossincrasia...

sábado, agosto 01, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

4
O Abismo e a Queda mostram-se ao homem na forma de um absoluto Não. E assim como o náufrago consulta ondas e horizonte em busca de resgate, o homem, em sua trajetória de queda, nada faz senão querer e projetar o sim. É aí que se encontra a fonte de todo projetar e a mola de todo produzir. Terá sido a percepção do Caos, da decrepitude que lhe arrasta e consome, o que levou o homem a conceber a Ordem. O Não é fonte de todo sim. Não foi admiração ou espanto frente à ordem natural quem gerou o filosofar, por exemplo. Mas outro pathos. Foi o sentimento do Caos! Foi o desespero da Queda quem levou o homem ao projeto do Belo, da Harmonia, do Cosmos, da Idéia - ao sim! Pura carência! Pura miséria! Não há sentido que não tenha por base uma vontade de Sim. Supremo esforço de negação ao Não, o sim é síntese de todo e qualquer significado. Mas nenhum sim é mais que tentativa (a tela, frg. 1, é arredia a qualquer cor). Da produção da mais rudimentar ferramenta de pedra à mais refinada abstração, tudo procede deste confronto asfixiante com o absoluto Não. Todo sentido nasce da vertiginosa trajetória de queda. Do Abismo! Na expectativa do "Pan" final. É do Não Nada - que surgem o dever-ser e seu igualmente pálido sósia: o Ser.

sábado, julho 25, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

3
No que respeita ao homem, cujo ser é sempre em perigo, só o abismo, a queda e a vertigem não são idiossincrasia. O conjunto das idiossincrasias atende por nomes como história, cultura, realidade... Mas o abismo, a queda e a vertigem não são idiossincrasia: são absolutamente. E, no entanto, dado tal absoluto constituir o perigo que espreita e engendra especialmente o ser do homem, Ele não é, como para o idealismo tradicional, um em si e para si, mas um em mim e para mim do homem. Não obstante tal intimidade, o homem tende a silenciar ou desconversar sobre o abismo e a queda. Seu objetivo, contudo, não é guardar segredo: é negá-los, graças à vertigem que o desespera. Sob tal pathos, o homem se entrega então, num poético desvio de olhos, à história e seus correlatos. Almeja com isto um resgate. É pois nesta vã esperança que consiste a ilusão, e não propriamente na história e seus correlatos. Estes, enquanto idiossincrasia, e enquanto poiésis, não pertencem ao campo do que se costuma chamar “não-ser”. São, antes, sintoma ou signo de um modo especial de despencar: modo decorrente do revirar de olhos, que, todavia, está ligado à ameaça de não ser.

domingo, julho 19, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

2
Cair no precipício é próprio do homem. Este cair não se expressa como sujeição à lei da gravidade. O precipitar-se da pedra, que por alguma causa se desprendeu da montanha, não tem a ver com o do homem. Para este, o cair não resulta de um desprendimento, de um soltar-se do meio protetor: tem a ver com o ser sempre em perigo. Nascer é cair. A queda é sem resgate ou transcendência. Ante ao cair assim descrito o homem sente-se mal. A vertigem gera ilusões. Resgate e transcendência têm muitos nomes e sentidos. Ilusão é o significado último de todos eles. Ilusão é paliativo pelo qual o homem fecha os olhos à queda. É como diz a si mesmo: “Não olhe para baixo!

quarta-feira, julho 08, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

1
Milênios de artefatos materiais, mito, arte, religião, filosofia, ciência e vulgaridade: ilusões do pintor que tira pincéis da própria carne e tintas do próprio sangue. Mas, carne e sangue, não é ele mesmo quem, sabe-se lá por que via de milagre, fabrica? E para quê? Para, obsessivo, esfregar na tela arredia a qualquer cor!

sexta-feira, maio 15, 2009

LA PROMESA DE LAS NUBES


Neste antecipado bafejo de ar, quantos perigos ocultos! Quantos perigos! Oh! Quantos perigos... Estarei pronto para nova empreita? Quero realmente tornar ao lombo de Rocinante?
Pode ser que a venda nos olhos esconda um truque, e o cavalo que me leva entre nuvens não passe de um qualquer tronco selado... Quanto ao vento no rosto, talvez seja apenas um artifício daquele que, divertido, me engana. Mas, que importa? Vento no rosto é o paraíso de todo cavaleiro!
Donzelas em apuros, alegrai-vos! Males do mundo, tremei! O velho cavaleiro, lança em riste, retoma sua armadura! Eia!

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

O CHORO DE XANTIPA

La mort de Socrate (Jacques-Louis David)
No alto da colina, aos pés da deusa, a viúva contempla a cidade. Ruas, monumentos, ágora... Visões que lhe são como punhaladas.
Foi com dificuldade que escalou o monte, o filho pequeno seguro por uma das mãos. Este, como se compreendesse as lágrimas surdas da mãe, de nada reclamou.
Lá em baixo a cidade prossegue o ritmo cotidiano, agora aliviada do enorme peso de Sócrates.