domingo, março 09, 2008

QUANDO TÍTULOS NÃO SÃO BEM-VINDOS


Transito por entre a multidão frenética como o morcego entre galhos do arvoredo. Se não esbarro em nada ou ninguém, devo-o à minha constituição peculiar e, sem falsa modéstia, a um talento muito especial. Não esbarro, e atendo a todos com a maior presteza. Não a maior possível, mas a maior. Não fosse por minha gravata e as sobrancelhas projetadas que me servem de barbatanas, o sucesso de meu trabalho seria inimaginável. Mas nasci assim, magérrimo e com o pescoço ideal para gravatas borboleta. Assentam em mim como em ninguém mais. Minha gravata é meu passaporte. As sobrancelhas, meu radar. Além disso, sou lépido e atento. Tenho um conjunto motor de invejável agilidade e pés que por muito pouco voariam. Na maior parte das vezes, me antecipo à intenção de quem deseja pedir algo e já lhe satisfaço. Vê-los boquiabertos é prazer indizível e minha mais grata recompensa. Não sei se isto – o antecipar-me - tem a ver com alguma arte secreta de minhas sobrancelhas, que se já me servem de radar para reconhecer corpos no espaço físico, bem poderiam também captar-lhes, no metafísico, as intenções. Mas desconfio. E pensar que em menino minha constituição e sobrancelhas já temperaram as mais gostosas gargalhadas...