quarta-feira, janeiro 23, 2013

O FORASTEIRO


"Cães latem para ele e crianças seguem-no pelas ruas" (Roubado de R.W).

quinta-feira, novembro 01, 2012

A VIGÍLIA DO PEQUENO EMIL


(Para E. M. Cioran)

Ora, pequeno, por que não dormes? Contra o quê vigias? Dorme! Que mal te fizeram todos? Não vês que se não cochilas ninguém mais dormirá tranquilo? Anda!

quarta-feira, outubro 24, 2012

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


15

Código aberto, recebido em pareidolias, Mundo é paisagem. Paisagem é espelho. Mundo é sentido. Idiossincrasia. Idiossincrasia compartilhada é convenção.

segunda-feira, outubro 22, 2012

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


14

A abertura perene do código, que é Mundo, chama-se pareidolia. Essencialmente, esta é vontade de sentido posta em prática. Pareidolia é pois resultado efetivo de todo revirar de olhos.

domingo, outubro 21, 2012

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


13

Mundo é código aberto.

terça-feira, outubro 02, 2012

HISTÓRIAS DE NÁUFRAGOS E DEGREDADOS




Diz um cronista hoje ignorado e caído em descrédito, que Bartolomeu Dias não batizou o Cabo das Tormentas pelo motivo que lhe creditou a história oficial. A ter razão, do que com toda sinceridade duvido, as verdadeiras tormentas se atiraram sobre o capitão e comandados não quando estes fustigavam o mar, que, aliás, era tranquilo àqueles dias, mas quando aportaram para reabastecimento de água doce. Mal desembarcaram e um exército de mulheres nuas, belas, mas com pelos nunca aparados, os cercou por todos os flancos e os tomou para orgias que só terminavam com a morte dos escravos. Mulheres de amores violentos! Consta que apenas cinco homens conseguiram sair vivos. Entre eles Bartolomeu, nosso cronista e o cozinheiro. El-Rei, com o romantismo e a fantasia de quem nunca viveu perigo real, alimentou, desde que soube do ocorrido, secreto desejo de conhecer o lugar, a que denominou Cabo da Boa Esperança. Fico a pensar se não serão estas mesmas mulheres a razão do mito encontrado por Malinowski entre os longínquos trobriandeses: “A outra região, Kaytalugi, é terra de mulheres apenas, onde nenhum homem consegue sobreviver. As mulheres que a habitam são lindas, grandes e fortes, andam nuas e não raspam os pêlos do corpo (o que é contrário aos costumes). Devido à grande violência de suas paixões, essas mulheres representam imenso perigo a qualquer homem. Os nativos nunca se cansam de descrever graficamente o modo como elas satisfazem seus próprios desejos sexuais se algum náufrago desventurado lhes cai em mãos. Ninguém consegue sobreviver nem mesmo por um curto espaço de tempo aos brutais ataques amorosos dessas mulheres”. Mas o degredado Malinowski, assim como El-Rei e o celibatário Carbajal, ou ainda nosso desacreditado cronista, não estava livre de devaneios. Ora, quem está?

sábado, setembro 29, 2012

À IMAGEM E SEMELHANÇA


Olhar o vazio com fome de pleno. Olhar o azul com fome de céu. Olhar o outro com fome de próprio. Fazer-se mundo. Membrana. Pele que tudo conforma. Fora de todo dentro. Fazer-se nuvem da nuvem. Ser-poeira da poeira. O todo do todo-nada. Auto-aparição assutada. Fulgurar-fantasma. Eu sou! Tu és? Ele é? Nós somos? Vós sois? Eles são? “Que outro Deus há além de Mim?”

domingo, setembro 23, 2012

DE ONDE VÊM OS FANTASMAS


Como o rosto que riu além da anedota e agora precisa voltar ao blasé, nós, que quase passamos da estupefação ao bocejo em poucos séculos de marcha da ciência sobre o Mistério, temos hoje o desafio de não deixar a expressão cair de vez. É preciso ainda ver sentido na ciência. Nossa luta agora é contra o Tédio. Então, homem de meu tempo, guardião de nossa máscara de Monalisa, é com boa expectativa que de minha janela, binóculo regulado, foco os velhos telhados lá em baixo. A ciência quer avançar sobre eles (sobre os fantasmas que lá brincam em dias de sol). Só lhe falta pequeno passo. Uma equação em teste por cientistas do MIT, a envolver matemática, física, ótica e um quê de solidão (a quantificação deste é o que ainda lhe resiste – até quando?) pretende explicar porque fantasmas preferem velhos telhados para orgias. Dizem (na verdade não dizem e tive que supor tudo sozinho) que quando diversos fatores de luz, temperatura e solidão se combinam, o fenômeno ocorre. Pode acontecer mais de uma vez no ano ou demorar eternidades entre uma vez e outra. Mas se algum dia o sol não está tão quente e o céu nem tão claro e se o vento não é mais que morna brisa, e se, além disso, algum solitário os olha do alto, então poderá ver, às nove e meia, fantasmas (nada discretos!) a se reproduzirem sobre velhos telhados. São nove e vinte e nove. A condição subjetiva me parece ideal. Lá fora, salvo engano, tudo de acordo. Se todas as variáveis realmente se combinam, então logo-logo terei boa dose de anti-tédio.

segunda-feira, setembro 17, 2012

O CAMPEÃO

Fotografia de Edilson Pantoja
Seu juízo rodeia o mundo preto-e-branco. Mas do alto a terra é uma peteca azul. Em torno do ringue vampiros berram impropérios. O último soco lhe tirou toda esperança de estabilidade e o inchaço avança sobre o último olho. A quentura do sangue lhe percorre a face. Afago da morte. Braços trêmulos tentam erguer o corpo de mil toneladas. O juiz chega ao meio da contagem. Enquanto viva a mãe nunca aprovou a profissão. Ágil de pernas, o adversário saltita a seu lado. Resta-lhe o último fôlego. Erguer-se é optar pelo definitivo. Deitar-se também.

quinta-feira, setembro 06, 2012

O OITAVO DIA


No princípio era Silêncio... 

Sete dias sobre a Terra. Na Terra. Nela. Um com Ela. Sono profundo.  Sonho inacreditável... 
Sonhou-se terra. 
Era a própria terra a Sonhar-se. Escura. Úmida. Una. Tudo Ela. Ela, todas as coisas dormentes. A Terra em sono profundo. Em sonho a sonhar-se...
Então, o sonho da terra trouxe mãos. E as mãos entraram na Terra. Rasgaram. Dor indizível. As mãos a rasgarem a Terra. Abrirem a Terra. Uma porção da terra as mãos tiraram. E à porção as mãos amassaram. E a porção da terra sonhava-se amassada nas mãos, entre os dedos, a formar-se sonho. E a porção da terra era Ele. 
Era?!
Sete dias sobre a terra Ele sonhou-se Terra. Terra primitiva. Terra sonhada pelas mãos que ele sonhava. No alto da montanha, a olhar o abismo aberto sob os pés, Ele se pergunta: Era?
Terrível, o sonho. Terríveis, as mãos. 
Mãos de fogo. Ágeis. Rudes. A moldarem o barro. E o barro virou-se cabeça. Virou-se pernas. Membros. Órgãos. E as mãos a moldarem mãos. Mãos de sonho... Mas então acorda. 
Dormira? Outro sonhar diante de si? Ou pesadelo?  Não sabe dizer. Posicionar-se ante tantas imagens. Reconhece de pronto, não obstante, tudo muito amplo. Sua capacidade com as imagens. Amplo. Algum tipo de lembrança? Própria? Inventada? Não sabe dizer. Posicionar-se ante as imagens. Diante de si a mão do cirurgião-robô dá o último enter para a configuração de seu novo cérebro. Cérebro eletrônico. Sintético, como também é agora sua pele. 
O gesto do cirurgião lhe provoca breve tontura, após a qual vê, ao lado da mesa cirúrgica, o cérebro orgânico recém retirado. Encontra-se revestido por um tecido transparente e comprimido numa espécie de tubo de ensaio cujo rótulo, também eletrônico, mas ainda em branco, aguarda catalogação.




quarta-feira, setembro 05, 2012

INTRUSOS



Escoraram-se na parede de tábuas rente à calçada entre gargalhadas. Farofa de amendoim saltava-lhes boca afora quando uma porta se abriu a suas costas. O tombo os empurrou para o ambiente atrás dela. Pouca luz. Fumaça de cigarro. De pronto, oito olhos os encararam desde a mesa no centro da sala. Um dos pares de olhos congelara no ar o corte do baralho. Dois outros trocaram cartas furtivas sob a mesa. Um dedo indicador lhes ordenou silêncio. De repente um clic atrás da fumaça. Os dois meninos correram de volta à rua e só pararam três quarteirões depois. Pulmões em brasa. Corpos vergados. Mãos nos joelhos. Corações boca afora.

terça-feira, setembro 04, 2012

REZA ANTIGA LENDA



babilônica que o pai da poesia nunca foi Prometeus, mas Enki. Também sugere que Moisés e Hesíodo, que nunca se deram bem, foram condenados ao silêncio pelos séculos dos séculos sob pena de darem fim ao mundo se um dia falarem. Sobre Homero, que na verdade nunca foi grego e se chamava Gulalak, palavra de raiz suméria que significa louco, se lhe atribui o que ele atribuiu a Hércules. Este se chamava Hércules mesmo embora também não fosse grego nem, por suposto, tenha realizado doze trabalhos. A tabuleta cuneiforme com tais informações jaz ignorada num dos salões do Louvre junto a contratos de terra e objetos pessoais de Senaquerib. Crasso erro de catalogação.

segunda-feira, setembro 03, 2012

RUMINAÇÕES DO HOSPEDEIRO



Vozes que nada dizem abrem trilhas em meu pêlo. Pulgas! Bichos surdos e bêbados que andam em turba. Daí o falatório. Nunca darão com a fonte três camadas abaixo da pele. Se um dia descessem, dariam com ela. Voz do sangue. Fonte das fontes. Seria o suficiente. Seria o ideal. Voz do sangue só fala a surdos. Mas pulgas são bichos de horizonte e não de abismo. E não me consta que saibam acolher o inaudível.

domingo, setembro 02, 2012

O EQUÍVOCO


Quando o céu se cobre de cinza ele enseja mostrar-se. Nunca apareceu e o ensejo é apenas imaginado. As pessoas vêm à porta da rua ou ao quintal e se põem a perscrutar. A mão em pala. Olhos no cinza. Ouvidos ao vento. O ciciar é todo som. Mulheres velhas tremulam em êxtase. Novas desejam tê-lo. Homens balbuciam gestos. E até hoje ninguém soube dizer palavra. Como se chama. O que é. Um dia, depois que as nuvens brancas tornaram sobre o azul, um jovem quis escrever. Mas a anciã saltou: escrever autêntico é silencio. Viu-se nisto algo mais que ensejo. E nunca mais se ousou.

sábado, junho 02, 2012

NA COLÔNIA DE CORAIS



Onde a voz que clamava no deserto, senhora de sua solidão? Onde?! Agora que vozes formam corais e fingem que nelas o deserto não grita, onde aquela? Aquela que dissonava, aquela, intempestiva, ruidosa, onde?!  Mas, claro, que não anuncie novos deuses ou nos ameace com a ira dos antigos: uma que declare, senhora de sua solidão e nudez, a nudez de todos os deuses! Contra toda idolatria! Todo coral! Uma voz, uma só, ao menos uma vez!
... Mas, ao mesmo tempo, sem que lhe possa identificar a procedência (se de coral ou deserto), ouço uma que, num sussurro quase inaudível, me pergunta: Para quê?! Para quê?!

terça-feira, maio 31, 2011

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

12

D. Quixote...
Não foi apenas a Literatura, foi a História, foi a Civilização:  foi a Humanidade, enfim, que não criou (nem criará) outro personagem.

terça-feira, setembro 14, 2010

ENTREVISTA


O escritor e filósofo Edilson Pantoja (1968), autor dos romances Albergue Noturno (Belém: Edições IAP, 2005), com o qual ganhou em 2005 o “Prêmio IAP de Literatura”, promovido pelo Instituto de Artes do Pará, e A Pedra de Babel (São Paulo: Editora All Print, 2010), é um dos convidados para as comemorações do centenário da cidade de Capanema, a ser comemorado na primeira semana de novembro próximo. O Escritor, que é natural de Marajupema, vilarejo situado à margem paraense do rio Gurupi, na fronteira do Pará com o Maranhão, viveu em Capanema dos onze aos vinte seis anos, tendo aqui estudado nas escolas Maximiana Menezes, América Leão Conduru e Oliveira Brito. Edilson, que vive desde 1995 em Belém, onde é professor de filosofia, concedeu a entrevista abaixo, por e-mail, à professora e estudiosa da Literatura, Jucilene Ferreira, principal responsável pela recepção e divulgação da obra do escritor em nossa cidade.

Jucilene Ferreira: Além do teor filosófico, que é uma característica marcante em sua literatura, seu texto recorre com frequência à intertextualidade como recurso narrativo, como é o caso, por exemplo, da menção feita, em A Pedra de Babel, ao episódio bíblico do dilúvio. O próprio título deste romance, aliás, remete a outro episódio, também bíblico, o da Torre de Babel. Há uma relação entre o objetivo filosófico de seus textos e este recurso intertextual bíblico? E por que, no título desse romance, você faz uso da expressão "A Pedra", assim, no singular, e não de “as pedras”, se, como se supõe, a Torre não teria sido construída com uma única pedra?

Edilson Pantoja: Escrever, e, sobretudo, fazer literatura, é uma atividade para a qual convergem diversos fatores, diversas forças, das quais a grande maioria age de forma totalmente imprevista. Entre tais elementos estão leituras da vida inteira do escritor, vivências, situações, experiências, fantasias, memórias, sonhos, coisas ouvidas ou não, histórias, projeções, enfim, uma gama de elementos que comporão o texto, sem que, para tanto, o autor os tenha selecionado previamente. Eles vêm numa enxurrada, numa torrente desenfreada de imagens, ideias, pensamentos... E dão trabalho, muito trabalho para direcioná-los, para organizá-los na forma de uma obra. Mas, sobretudo, dão imenso prazer! Um prazer que, suponho, só experimenta quem cria.
Então, comigo acontece assim. Sou ficcionista. Meus livros são romances. Faço literatura, evidentemente. Mas também lido com a filosofia, e não me refiro apenas ao ensino, mas como tentativa pessoal de reflexão. E quando escrevo, embora procure compor uma cena, uma história, um romance, eu também quero pensar o meu tempo, as questões que dizem respeito não só às personagens do livro, mas, sobretudo, ao homem em geral. É a ele que eu me dirijo. É dele a figura, o exemplo, que compus na ficção. E que homem? Aquele de hoje. Forjado no tempo presente, marcado pelo horizonte histórico atual, condicionado pela existência tal qual ela, enquanto consequência dessa relação temporal com o passado e mesmo com o futuro, a ele, homem, se manifesta. Então, tenho, sim, uma pretensão filosófica. E me utilizo justamente daquelas imagens, daquela enxurrada que há pouco me referi, para duas finalidades. A primeira, literária. A segunda, filosófica. É claro que isto foge, de certa forma, a um estilo tradicionalmente consagrado de fazer filosofia, que é a forma do tratado, onde o pensador, munido de seus conceitos, expõe, na forma de um intrincado e lógico tecido argumentativo, suas premissas e conclusões, sua tese. Evidentemente, este não é o único modo. Um dos grandes filósofos, talvez o que mais se aproximou do ideal filosófico da crítica, do questionamento, que foi o alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), não escreveu sua mais volumosa produção em forma de tratado. Nietzsche recorreu de maneira abundante às imagens. Eu também recorro a elas. Mas ressalto que não uso a literatura para fazer filosofia, como se aquela estivesse a serviço desta. Uso as duas ao mesmo tempo, sem hierarquia.
Sobre a intertextualidade, sim. É um recurso. Como disse antes, há uma espontaneidade de elementos múltiplos, os quais, ante o ato criativo, se apresentam, digamos, com a finalidade de “entrar” na obra. Entre tais elementos estão leituras, referências, etc., e, naturalmente, uma vez dada a abertura, entrarão. Em meus textos há diversas referências bíblicas. Às vezes, sua presença tem apenas função estética, imagética; outras, não. A referência ao mito da Torre de Babel, presente no título do romance, por exemplo, não é fortuita. Há, sim, um objetivo. É que, como se sabe, o mito visa explicar a proliferação das línguas e, por consequência, dos significados. Então, uso esta referência para, em consonância com a trajetória do personagem, perguntar pela Pedra, sim, no singular, pela Pedra de Babel. A expressão está no singular, e com inicial maiúscula, porque, como sabemos, toda construção tem uma pedra fundamental, a chamada pedra angular. Então, nesta referência à alegoria do mito, não estou interessado nas pedras que teceram paredes da torre, mas naquela que lhe deu sustentação, a pedra fundamental, a base de todo e qualquer significar. A propósito, não é curioso que a proliferação de significados, à qual a proliferação das línguas ilustra, conforme o mito, seja, assim como no episódio da expulsão do paraíso, consequência de um ato de desobediência? Com o primeiro o homem tornou-se mortal; com o segundo viu-se diante da necessidade de multiplicar significados... Quer saber? Vejo, no caso da existência humana, uma íntima relação entre o que as duas narrativas bíblicas, segundo meu ponto de vista, alegoricamente abordam. Meu romance não é propriamente sobre o náufrago; é sobre Adeleine.
Agora, se você me permite, eu gostaria de fazer uma breve consideração sobre minha pretensão filosófica. Pois bem. Sei que, evidentemente, o pensamento, o pensar filosófico, não é privilégio de gregos e europeus. Considero-os fundamentais, e uso a palavra no sentido de algo basilar, mesmo; pois bem, considero-os fundamentais para que nós, Ocidente, adquiríssemos as feições culturais que são as nossas. Mas a filosofia não se esgotou com eles. Ao contrário! Ela principiou por lá, com os gregos, e de lá ainda se faz ouvir, impetuosa, sobretudo, como provocação, como base para renovados questionamentos, e novas aberturas. Afinal, o tempo é outro. O horizonte histórico é outro. E a filosofia não é algo datado. Ela é expressão do próprio anseio humano, da busca humana por respostas satisfatórias às tantas dúvidas e incertezas que lhe marcam a existência. Então, filosofar é algo inerente ao homem, embora apenas poucos homens sejam de fato filósofos. Para falar disto rapidamente, podemos dizer que filósofo é o homem que dá inteira liberdade ao pensamento. Coisa dificílima, já que, geralmente, o anseio por respostas satisfatórias se manifesta justamente quando ele, o homem, parece não precisar. Afinal, nossa cultura, que não tem em sua base apenas a influência filosófica, nos ensinou a acreditar em verdades absolutas. E quando a dúvida vem, e ela sempre vem, o homem comum não consegue lhe dar liberdade. Por quê? Por que rapidamente aciona as verdades de que, previamente, já dispõe, as quais, coercitivas que são, tolhem, então, o pensamento, a atitude perguntadora. Não digo que isto seja ruim, interpreto apenas como um recurso de proteção. Que, aliás, é comum a todos os homens, inclusive aos filósofos. E isto tem a ver com a necessidade de dar sentido (significados) à existência, que já mencionei.

Jucilene Ferreira: O farol e o deserto são imagens que atravessam todo o romance A Pedra de Babel. Qual o seu objetivo ao lançar mão delas? Que função elas exercem na vida da personagem?

Edilson Pantoja: O deserto e o farol são imagens que chegaram quase simultaneamente. O farol chegou primeiro, logo após eu assistir um programa de televisão onde se mostrava um farol na ilha de Fernando de Noronha. Em seguida, veio o deserto. Era o dia dezesseis de outubro de 2005, sei disso porque costumo anotar as datas dos rabiscos que faço, e tenho manuscrito, em folhas de rosto de um livro de certo filósofo, o começo do romance. Eu acabara de assistir ao programa e saí para o supermercado com minha esposa. E, como geralmente faço, fiquei lendo na lanchonete enquanto ela fazia compras. E aí comecei a escrever o primeiro texto, o que me fez encher quatro páginas, dessas que ficam em branco no final dos livros. Depois passei para o computador e continuei aos poucos a história, cujo final eu só defini uns três anos depois. Minha intenção com ambas é a mesma que com as outras. Têm função estética e filosófica. Mas como o sentido do texto literário é algo que depende da leitura, e os leitores são diferentes entre si, alguns com mais recursos que outros, então deixo as imagens por conta de cada um, de cada experiência estética.
"Albergue Noturno" e "A Pedra de Babel"


Jucilene Ferreira: Tanto em “Albergue Noturno” quanto em “A Pedra de Babel” você organizou o texto em subtítulos e capítulos, ou episódios, bem curtos. Isso é uma marca da literatura contemporânea, uma forma de não tornar a leitura cansativa ou você tem uma pretensão própria frente ao leitor?

Edilson Pantoja: Os dois romances têm protagonistas narradores, o texto é em primeira pessoa. E ambos os personagens são dados a elucubrações, questionamentos, considerações..., o que faz com que algumas vezes o texto se torne um tanto quanto denso. Então, os capítulos – curtos - têm mesmo o objetivo de contrabalançar, de compensar de alguma forma, e manter vivo o interesse do leitor. Procuro dar a ele a sensação de ter lido um pequeno conto, mas um conto que tem, naturalmente, articulação e continuação no “conto” (capítulo) seguinte. Os dois livros têm essa característica. Embora os capítulos façam parte de um todo, que é o romance, eles podem ser lidos como se fossem autônomos. Mas, ressalto: não o são! Fazem parte de um todo que, naturalmente, quer ser lido inteiro. E para mim é fundamental que o leitor acompanhe toda a trajetória dos personagens, pois é no final que todos os episódios, todas as passagens, todas as situações, etc., ganham sentido.
Sobre se a organização em capítulos curtos é uma marca da literatura contemporânea, não me parece. Ou, pelo menos, minha forma de escrever não tem a intenção de ser “contemporânea”, isto é, de pertencer a um movimento ou coisa parecida. Aliás, fora todo o talento de Machado de Assis, e todos os méritos de D. Casmurro, que têm mantido o interesse dos leitores ao longo do tempo, lembro que uma das coisas que muito contribuiu para que eu lesse e relesse aquele romance, e, durante a leitura, parasse justamente para admirar o detalhe que vou anunciar, foi justamente o fato de ter capítulos bem curtos. Por outro lado, a internet é um fenômeno do nosso tempo. E, salvo exceções, é um meio no qual, devido à natureza interativa e dinâmica, textos longos costumam não atrair o leitor. E meus dois romances nasceram para, inicialmente, serem postados na rede. Então, vem daí, certamente, além de outros fatores como o estilo e o que já mencionei acima, uma das razões para os capítulos curtos.
Muito obrigado pelas perguntas! Espero ter respondido a contento.

Aqui, site da publicação original.



terça-feira, agosto 24, 2010

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


11
Consideração (esboço) sobre a relação entre filosofia e literatura


Eu vejo filosofia e literatura como vejo cada um dos demais fazeres humanos: eu as vejo como tentativas de significação. Como tudo que é humano, elas brotam de uma vontade de sentido. É que, me parece, cada ato humano, desde os mais simples da vida ordinária até os mais refinados e complexos, têm como função imediata o seguinte: revestir de sentido aquilo que por si mesmo não tem: a existência.
Como bem o constataram sábios da envergadura de um Charles Sanders Peirce, a cultura, de modo geral, é um grande e complexo sistema de signos. Nela tudo significa. Qualquer elemento pode conduzir a uma pista do que se passa no grande comércio das relações humanas. Mas não é por esse caminho de pensar atos culturais como elementos de comunicação, nesta perspectiva, o que me leva a esta incursão peculiar pela, digamos, semiótica. Para mim, a cultura, a civilização, os feitos humanos, corriqueiros ou grandiosos, são, antes de tudo, sintoma. Sintoma de uma ausência: a ausência de sentido para a existência. São, ao mesmo tempo, tentativas de preenchimento desta ausência. Daí eu ter dito acima: tentativas de significação.
Esta Ausência, este Nada, espreitava o homem, mal ele deu o primeiro passo para fora da Natureza. E o próprio homem não será outra coisa senão uma consequência desse encontro e desse convívio. Pois, como dito, a cultura, a história, enquanto sintoma, é também o horizonte no qual o próprio homem se faz e, fazendo-se, constrói formas de proteção contra aquela Ameaça Silenciosa. Primeiro vieram as lanças e ferramentas de pedra, as primitivas comunidades protetoras, a linguagem, que dá ao homem a ilusão de não ser só... Depois vieram mais instrumentos técnicos, também os deuses, os mundos além, as metafísicas, as artes, a filosofia, a ciência, enfim, a Civilização. Não obstante, a Ausência continua . A história da civilização é a história desse convívio e dessa luta. As especulações atuais acerca da clonagem humana ou mesmo da chamada inteligência artificial, em que já se cogita a substituição do orgânico pelo sintético, ilustram bem o que quero dizer.
Mas a filosofia e a literatura, como a arte em geral, não são tentativas de significação no mesmo nível dos atos ordinários, da técnica ou da ciência. Elas não são um mero fazer. Ao contrário! Enquanto se utilizam da linguagem para representar o próprio homem em seu trânsito significativo, elas se constituem meios privilegiados de significação. Meios nos quais o homem pode se ver, sondar seu destino e enfim aceitá-lo.
Diferentemente de todos os demais modos de significação, filosofia e literatura não são necessariamente rotas de fuga, mas meios possíveis de condução do homem ao seu ser-próprio, ao seu destino.
Destino, conforme aqui concebido, é o ser-próprio do homem. É o Não, é aquela Ausência que desde o início o espreita e o obriga a significar. É bem verdade que o homem pode nunca reconhecê-lo. Pode também, reconhecendo-o, recusá-lo e empreender rotas de fuga em busca de garantias, como, aliás, tem feito a maioria das vezes, seja na história da espécie, seja na história do indivíduo.
Em qualquer dos casos, porém, seja aceitando o destino, seja recusando-o, o certo é que daquele Não continuará a brotar a cultura e a história. O que mudaria, certamente, no caso da aceitação, seria a saúde do homem, a relação dele com a vida. Mas este talvez seja um passo impossível. É que ao ser-próprio não se chega antes de uma séria decisão, de grandes recusas, e de uma revolução pessoal.
No caso da literatura, o trânsito para o destino ou para longe dele é mostrado por meio de imagens, onde se representam, com personagens e situações, os homens na busca por significados, estes aqui pensados como garantias contra aquela Ameaça. No caso da filosofia, a questão do destino é posta em evidência mediante um trabalho conceitual, abstrativo, em que se busca compreender os próprios fundamentos da busca, isto é, da essência do significar, bem como apontar caminhos, propostas de sentido. Em ambos os casos, seja com o exemplo, seja com o conceito, está em jogo a perspectiva essencial dessa luta e dessa busca.
Mas essas distinções não opõem necessariamente as duas formas de representação, como, aliás, nos mostram a história de ambas.
Em todo caso, o destino do homem, o ser-próprio, tem a ver com a existência. Mas a mera existência, como suposto, não implica necessariamente a aceitação do destino.

segunda-feira, agosto 02, 2010

LANÇAMENTO NA BIENAL DE SÃO PAULO


Caros, convido-os para o lançamento do romance "A Pedra de Babel", constante da programação cultural da 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. O lançamento ocorrerá no dia 16/08/2010, das 17h00 às 19h00hs., no estande da All Print Editora - RUA L, Estande 44. 
Conto com a presença de todos! Aos que puderem ir, será uma grande oportunidade para nos conhecermos pessoalmente!
Grande Abraço!

Aqui, matéria sobre o evento de pré-lançamento em Belém:

domingo, maio 30, 2010

UM POUCO SOBRE MEU PRIMEIRO ROMANCE


Caros, o romance A Pedra de Babel aguarda lançamento. Enquanto isso, a aproveitar a deixa de uma lembrança que esta semana me veio sobre Albergue Noturno,  meu primeiro romance, esgotado, compartilho algo a respeito. Para ler, um clique aqui resolve. Abraço a todos!

domingo, maio 16, 2010

A PEDRA DE BABEL


Caros amigos e leitores, é com enorme prazer que anuncio a publicação de A PEDRA DE BABEL, meu novo romance! Para conhecer a doxografia, clique aqui. Para adquiri-lo, clique aqui.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


10

O homem recusa olhar para baixo. Um frio agudo lhe atravessa as plantas dos pés, espinha e estômago se por um segundo encara o abismo em que despenca. Ele sabe quem está lá: um fantasma expectante a cuja lembrança logo repele. Ele conhece o fantasma e dele é conhecido. Sua própria alma, nua e solitária, é quem está lá. É que o abismo, dada a profundidade, forma, como a lonjura do deserto, um espelho, fundo refletor. O desamparo é o fantasma refletido no abismo. Não será por isso que "se você olhar longamente um abismo, o abismo também olha dentro de você", como disse alguém certa vez? (Além do Bem e do Mal, aforismo 146).

quarta-feira, outubro 21, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


9

Nada realiza o humano mais que a experiência, a aceitação e o reconhecimento da solidão como condição fundamental do existir. Nascer só, viver só, morrer só. Em nenhum dos casos o homem pode interferir. No entanto, no intervalo entre o primeiro e o último, ele perde-se de si em vãs tentativas de pertencimento. O homem vê no pertencimento a, no ser contado entre, um resgate, uma forma de salvação. A vontade de pertencimento denota uma incompreensão e um desvio do essencial.

quinta-feira, outubro 08, 2009

ATRÁS DA CORTINA

Gargalhadas. Cusparadas estalam no chão. Do Silêncio. Vozerio. De repente, uma pergunta. Ninguém responde. Gargalhadas. Forço os olhos para cima, por dentro das sobrancelhas, e arrisco também uma pergunta: Quem pergunta? E de lá: Quem pergunta? Silencio. Lembrei-me, súbito, da regra de nunca dar trela a loucos. Mas... E Ela? Queria mesmo era revê-La...
A primeira vez em que A vi, foi com olhar grande. Enrubesceu-se. Na segunda vez, assustou-se. Na terceira vez chamou os guardas, que me lançaram nesta masmorra...
Vozerio. Gargalhadas. Cusparadas estalam... A pergunta retorna em uníssono. Nenhuma resposta. Enfio de vez os olhos nas sobrancelhas. Agora Eles ouvirão todas as respostas do mundo ou, quem sabe, a mãe de todas as perguntas!

sexta-feira, setembro 25, 2009

SOBRE HOMENS DISTRAÍDOS E NÃO


É comum que homens distraídos tamborilem os dedos numa superfície ou juntem as mãos, como a simularem, por exemplo, movimentos de uma aranha no espelho, enquanto aguardam as horas... Mas há outros, nada distraídos, que fazem os mesmos movimentos até doerem, sangrarem, ou sumirem-lhe, gastos, os dedos... É desta ordem que vêm os solitários, e foi assim - justamente assim - que cheguei aos cotovelos...

sábado, setembro 05, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


8

O ser do homem... Não do sujeito, nem do filósofo, do cientista, do professor, do aluno, do mendigo, do astronauta, do artista, do crente, do cético, do jardineiro, do policial, do prisioneiro, do niilista, do coveiro... O simples ser, o que é? Ora, o simples ser não é sem seus significados. É nada. O simples ser é pura ausência. Pura carência. Num sentido ontológico (e não psicológico), o simples ser é como a saudade.

quarta-feira, agosto 26, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


7

Na história coexistem ou sucedem-se, não sem disputa, tentativas de fixar pontos, tentativas de freio, resgate, transcendência... Nos bastidores de cada tentativa é comum se encontrar, entre as molas propulsoras do querer, uma sedução do inédito. Ora, a sedução do inédito é uma variante da sedução do poder. A sedução do poder denota incompreensão. Toda incompreensão neste molde resulta do "Não olhe para baixo!". Mas haveria algum desvio do olhar com franca possibilidade de sucesso? O gesto de Galileu  com o telescópio não conteria uma sugestiva precursão? Não conteria o prenúncio de um total ineditismo em relação ao modo de olhar e ver, e, portanto, de um desvio bem-sucedido? Não seria, enfim, a promessa de uma verdadeira potência e de um belo travar de pneus contra a Gravidade?

domingo, agosto 16, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

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O possível impossível. O homem, que surge da tensão entre ser e Nada, marcado ontologicamente por ambos, é nesta condição. É esta situação. Ele é isso. O possível impossível. Conseguirá nosso moribundo afinal reverter tal sentença? Conseguirá ele mudar seu isso? Conseguirá enfim arrancar o punhal que traz desde sempre, e a se enferrujar cada vez mais, cravado ao peito? E, caso consiga, ele não se cravará outros? Caso o consiga... ele ainda será ele?

domingo, agosto 09, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO


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Enquanto simples projeto, o sim constitui um dever-ser. Enquanto realização, o sim, almejado como absoluto, traz a marca do relativo, consequência do Não que lhe pesa como fardo. Fado! Tem-se aqui então uma nova compreensão do dever-ser, em que o ethos corresponde ao querer eliminar o perigo de ser: a queda-livre que condiciona o ser sempre em perigo. Daí se poder afirmar que toda doutrina, escola, movimento, feito - dos mais adocicados e belos aos mais amargos ou intoleráveis conforme uma e outra sensibilidade -, quer um ponto-fixo. O ponto-fixo. A estabilidade. O fim da história. O dever-ser. Mas todo sentido procede da Queda... Uma tentativa de ponto-fixo é então um sentido contra-sensual. Ilusão. Trabalho de Sísifo. Idiossincrasia...

sábado, agosto 01, 2009

VERTIGEM E SIGNIFICAÇÃO

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O Abismo e a Queda mostram-se ao homem na forma de um absoluto Não. E assim como o náufrago consulta ondas e horizonte em busca de resgate, o homem, em sua trajetória de queda, nada faz senão querer e projetar o sim. É aí que se encontra a fonte de todo projetar e a mola de todo produzir. Terá sido a percepção do Caos, da decrepitude que lhe arrasta e consome, o que levou o homem a conceber a Ordem. O Não é fonte de todo sim. Não foi admiração ou espanto frente à ordem natural quem gerou o filosofar, por exemplo. Mas outro pathos. Foi o sentimento do Caos! Foi o desespero da Queda quem levou o homem ao projeto do Belo, da Harmonia, do Cosmos, da Idéia - ao sim! Pura carência! Pura miséria! Não há sentido que não tenha por base uma vontade de Sim. Supremo esforço de negação ao Não, o sim é síntese de todo e qualquer significado. Mas nenhum sim é mais que tentativa (a tela, frg. 1, é arredia a qualquer cor). Da produção da mais rudimentar ferramenta de pedra à mais refinada abstração, tudo procede deste confronto asfixiante com o absoluto Não. Todo sentido nasce da vertiginosa trajetória de queda. Do Abismo! Na expectativa do "Pan" final. É do Não Nada - que surgem o dever-ser e seu igualmente pálido sósia: o Ser.