terça-feira, fevereiro 20, 2007

No topo do Ararat

Arca encalhada no topo do Ararat, Noé, mãos cruzadas nas costas e chinelos bíblicos, caminha no convés a respirar o estio. O sol alveja ainda mais a barba e cabelos do velho patriarca, que quase se confundem com as nuvens do horizonte. Enquanto o vento lhe balouça o vestido, o ancião de seiscentos anos aprecia o porvir. De repente, tira do bolso uma bilha de vinho, primeira safra de sua primeira plantação. Retira a rolha e sorve, por um instante maior que quarenta dias e noites, o aroma do velho mundo. Lá de dentro, o balido das cabras, mugido de vacas, gritos de macacos e outros bichos mais, lhe dizem que os filhos não lhe ouvirão, ainda que grite. Então retira de outro bolso o walkie-talkie e faz contato com Sem, na sala das máquinas: “Toda a potência de todos os seis mil cavalos!”. O filho não entende, mas obedece. Um segundo depois, o contatado é Jafé, o timoneiro: “Vire a estibordo, vamos desencalhar!” Finalmente dirige-se a Cão, que, de compartimento em compartimento, distribuía feno e limpava a sujeira dos animais como castigo por ter visto o pai bêbado e nu, certa feita. O filho estava no primeiro pavimento: “Venha ao convés!”. Instantes depois, pai e filho brindavam, reconciliados. Desfeito do pesado vestido, Noé foi tomar sol apenas de ceroula. Respeitoso, o filho não o olhava, mas o coração de ambos seguia em paz enquanto, a todo vapor, a arca livrava-se do Ararat.

14 comentários:

Anônimo disse...

Sou ateu. Graças a Deus.
Há braços!!

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

Texto envolvente.

Claudio Eugenio Luz disse...

Uma releitura necessária e condizente com a nossa era.

hábraços

Maria Alzira Brum disse...

Interessante
voltarei
e vamos pro link
bjs
MA

ANALUKAMINSKI PINTURAS disse...

Obrigada pela visita... Voltarei a voar mais vezes por aqui!... Abraços.

Anônimo disse...

, corações a seguir em paz... mundo precisa disso...
|abraços meus|

diovvani mendonça disse...

Bacana, amigo, você ressuscitou o velho Noé?
Estou aguardando mesmo, é a continuação da História do Manuscrito. Enrola, não, hem? AbraçoDasGerais.

Anônimo disse...

BACANA SEU BLOG. MUITO BOM SEUS ESCRITOS.
ABRAÇO.
Cássio Amaral.

Anônimo disse...

Uma re-leitura do episódio do Dilúvio, com um toque de humor, ao misturar os elementos bíblicos aos modernos.Porém o mais interessante é o relacionamento de pai e filho: tanto lá, com cá...a coisa não muda muito! rs
Um abraço.
Dora

Anônimo disse...

Vejo a arca indo ali e o ancião de 600 anos com cara de satisfação. Pós Dilúvio e atual. Caiu bem pra Noé. Riodaqui abraça aí. Paulo Vigu

Anônimo disse...

olha o Noé aí geeeeente!Grande abraço!

Larissa Marques - LM@rq disse...

Adorei a nova cara do blog, desculpe-me o desaparecimento, muito trabalho...
Mas estou feliz como nunca!
Beijo grande!

Lu disse...

Edilson, algo me prendeu nessa tua releitura e, engraçado, não foram os elementos da contemporaneidade. ao contrário, o que me fez sorrir foi algo tão antigo quanto o velho Noé "ver o pai bêbado e nu". Essa ancestralidade das relações é algo que me inquieta... descobrir que "o rei está nu" é um rito de passagem dos mais fortes... tudo se transforma quando nos apossamos do conhecimento.
Abraço, querido.

Anônimo disse...

Edilson, feliz releitura do texto bíblico, dos personagens e tempo. Abraços, amigo!